Por Jorge Folena
Ao longo dos anos, tem sido uma prática comum a comercialização de licenças municipais para operação de táxi, concedida pelas Prefeituras, e, durante o período que antecedeu a realização da Copa do Mundo de 2014, essas permissões chegaram a ser vendidas por mais de duzentos mil reais em algumas grande cidades brasileiras onde ocorreram partidas de futebol do mundial.
Em razão da massificação da prestação de serviço de transporte por aplicativos, o preço das “autonomias” despencou no mercado, mas ainda tem significativo valor. Leis municipais passaram a tratar do tema, de modo a legalizar as alienações das autorizações e também a sua transferência automática para esposas ou companheiras e herdeiros dos titulares falecidos da licença para operar como taxista.
No âmbito federal, o Estatuto da Mobilidade Urbana (Lei 12.587/2012, aprovado no Governo de Dilma Rousseff) expôs, em seu artigo 12-A, que “o direito à exploração de serviços de taxi poderá ser outorgado a qualquer interessado que satisfaça os requisitos exigidos pelo poder público local”, bem como autorizou transferência da licença para terceiros que atendam aos requisitos exigidos na legislação municipal, e, no caso de falecimento do seu titular, aos seus sucessores hereditários.
Esta foi a forma encontrada pelo legislador federal, respeitando o poder de concessão dos municípios na regulamentação dos serviços de interesse local, para regularizar e dar segurança jurídica às diversas transações de transferência de licenças realizadas, no segmento da prestação do serviço público de táxi, nas diversas cidades do país.
Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, por maioria, atendeu ao pedido formulado pelo Procurador Geral da República (na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.337, relator Ministro Luiz Fux) para declarar a inconstitucionalidade da norma acima, do Estatuto da Mobilidade Urbana, que autorizava a transferência das licenças aos sucessores do taxista falecido e as comercializações realizadas a terceiros, desde que atendidas as normas do poder público local
O argumento apresentado pelo ministro relator para decidir pela inconstitucionalidade foi de que “a transferência do direito à exploração do serviço aos sucessores (…) implica em tratamento preferencial, não extensível a outros setores econômicos e sociais. A regra impõe séria restrição à liberdade de profissão e à livre iniciativa de terceiros (…) Quanto à livre comercialização das outorgas (…) ela permite aos detentores auferir proveitos desproporcionais na venda a terceiros, contribuindo para a concentração de mercado e gerando ‘incentivos perversos’ (…) mesmo que a regra constitucional da licitação seja inaplicável, os critérios para o acesso à outorga do serviço de táxi devem ser objetivos, impessoais e isonômicos”.[1]
Ou seja, o Judiciário, aqui, sobrepôs-se à vontade política do legislador, que havia encontrado um ponto de equilíbrio para estabelecer a necessária segurança jurídica, diante da realidade das relações sociais, por meio da qual se manifesta e evolui o direito, e que não se pode ignorar.
Entretanto, no julgamento da análise de constitucionalidade do Código Florestal (Ação Declaratória de Constitucionalidade de 42/DF), o ministro Luiz Fux, relator do processo, entendeu que deveria prevalecer a “escolha política”, em respeito ao princípio democrático; “cabendo ao Judiciário a análise racional do escrutínio do legislador”, por não poder o Judiciário “substituir escolhas dos demais órgãos do Estado por suas próprias escolhas”.
No caso das transferências das autonomias dos taxistas, seja para terceiros ou para seus sucessores, o legislador fez uma escolha política, a fim de regularizar e dar segurança jurídica a uma prática comum neste segmento. Mesmo sabendo da existência de alguns exploradores em grande escala no setor, nele prevalecem as pessoas simples, que trabalham na atividade e dela tiram o próprio sustento e o da família, mediante a obtenção de uma licença para trabalhar em atividade fiscalizada pelos Municípios.
Se existem abusos econômicos e pessoas ou empresas detentoras de muitas licenças, é um problema a ser resolvido no âmbito da fiscalização municipal, conforme delegou a lei ora declarada inconstitucional.
Portanto, fica evidente o casuísmo em que se envolveu a decisão do Supremo Tribunal Federal, que representa um retrocesso e coloca em perigo os sucessores dos taxistas falecidos, além de atingir as pessoas que pagaram por licenças para trabalhar como taxista, que foram transferidas para seu nome.
Sendo
assim, a fim de evitar a insegurança jurídica com relação a todas as transferências
anteriormente realizadas, o Supremo Tribunal Federal deverá modular os efeitos
da sua decisão, para que incida somente sobre as transferências futuras, de
modo a evitar transtornos aos titulares de permissão para conduzir táxi.
[1] Notícias do STF, de 05/03/2021.