Nos últimos dias, vimos os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, do STF, defenderem a introdução, no Brasil, do semipresidencialismo, um sistema de governo parecido com o parlamentarismo, em que o presidente seria o chefe de Estado, responsável pelas relações externas, e chefe das Forças Armadas, e o exercício do governo estaria a cargo dos parlamentares, por meio da figura de um conselho de ministros ou por um primeiro ministro.

De acordo com o que tem sido defendido pelos que compartilham a ideia, a alteração seria uma forma de assegurar a estabilidade política, que entrou em crise profunda a partir do impedimento da Presidenta Dilma Rousseff em 2016 e piorou principalmente a partir da posse do atual ocupante da Presidência da República, que atenta diariamente contra a Constituição e as instituições políticas, em constantes ameaças de implantar um regime antidemocrático no país.

Vale lembrar que, em janeiro de 2016, quando avançavam no processo de afastamento contra a Presidenta Dilma Rousseff, idêntica proposta de “semipresidencialismo” foi inserida no debate político¹, baseada nos modelos francês e português, que pretendia limitar os atuais poderes da instituição Presidência da República, que passaria a exercer o controle do Poder Executivo em conjunto com um “Conselho de Ministros”, cujo presidente seria nomeado pelo Presidente da República e exonerado do cargo quando o Congresso Nacional lhe retirasse a confiança.

De acordo com aquela proposição, esse Conselho de Ministros responderia “coletivamente perante o Congresso Nacional pela política do Governo e pela Administração Pública Federal”. A alteração, conforme pretendido na época e agora defendido por integrantes do STF, dar-se-ia por emenda constitucional.

Ocorre que, além da pretensa proposta de emenda constitucional ser questionável sob o aspecto jurídico, por ser proibida alteração da Constituição que atente contra o princípio da separação de poderes (artigo 60, § 4o, III da Constituição Federal), a inegável tentativa de redução de poderes da Presidência da República representaria grave violação à independência de outro poder, perpetrada por meio do poder constituinte derivado.

Vale lembrar que o parlamentarismo foi debatido durante a Assembleia Nacional Constituinte de 1987/1988, porém, ao final, prevaleceu o sistema de governo centralizado no Presidente da República, chefe do Poder Executivo, com um conjunto de atribuições no âmbito interno e internacional, definidas no artigo 84 da Constituição.

Efetivamente, com relação à governabilidade, o presidencialismo brasileiro é inusitado, na medida em que o presidente, por precisar da aprovação do parlamento para implementar grande parte das medidas relativas ao seu projeto de governo, necessita formar uma bancada majoritária de apoio parlamentar, o que, desde a eleição de 1989, por diversas razões, não tem sido possível de alcançar.

Isto tem obrigado os sucessivos mandatários presidenciais à formação de governos de coalizão com diversos outros segmentos políticos, inclusive de tendências ideológicas e programáticas diferentes, pois, caso contrário, não conseguem governar de fato. Para exemplificar, recordemos a aliança PT-PMDB no segundo mandato de Dilma Rousseff, em que as manobras do então presidente da Câmara dos Deputados, do PMDB, paralisaram inteiramente o governo com as denominadas “pautas-bomba”.

Com efeito, o presidencialismo de “coalizão”, que tem conduzido a política brasileira nos últimos trinta anos, tem gerado um constante grau de instabilidade política, na medida em que, para governar, o presidente eleito pelo voto popular precisa fazer muitas concessões aos partidos e aos blocos parlamentares, reunidos em bancadas com interesses específicos, em troca de votos no Congresso Nacional para aprovação de seus projetos. Isso favorece as trocas de favores, visando à ocupação de cargos da Administração Pública, e dá origem a muitos casos de malversação de recursos públicos.

Entretanto, um regime de governo nos moldes do pretendido “semipresidencialismo” demanda a existência de partidos racionalmente organizados e com representação de base, o que de maneira geral, não há no Brasil, com poucas exceções. Pela constatação empírica, vemos que também não existe fidelidade partidária, pois a todo momento são criados partidos sem representatividade, que apenas favorecem o troca-troca de legendas e promovem o desrespeito pelo voto atribuído ao partido que serviu de estrutura para a eleição do parlamentar. Esta sim, é uma das grandes causas da instabilidade política no país, e não o sistema de governo em si, adotado há mais de um século e amplamente referendado pela população brasileira, em diversas oportunidades.

Na atual conjuntura, diante de um patrimonialismo cada vez mais exacerbado, em que o poder do capital e os acordos entre as oligarquias tradicionais e grupos pentecostais são as forças que efetivamente elegem os parlamentares, como acreditar, com sinceridade, na existência de “partidos dispostos a assumir a direção dos negócios públicos”², que representem de fato os interesses de todos os cidadãos, num sistema de governo em que esse parlamento seria o ator preponderante?

Recordemos que o sistema de governo presidencialista foi ratificado pela vontade popular, em plebiscito realizado em 07 de setembro de 1993, por força do artigo 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que rejeitou o parlamentarismo como sistema de governo no Brasil.

Portanto, além de ser protegido por cláusula pétrea, por envolver diretamente a separação de poderes (artigo 60, § 4º, III da Constituição Federal), foi reafirmado posteriormente no curso de vigência da Constituição, conforme determinado pelo constituinte originário, e, sendo assim, só poderá ser modificado por uma Assembleia Nacional Constituinte.

Por tudo isso, a implementação do semipresidencialismo, como sugerido pelos ministros do STF, além de ser de questionável constitucionalidade, por violação da cláusula pétrea da limitação ao princípio da separação de poderes, apresenta-se distante da realidade do pensar e do agir político brasileiro. Ademais, essa alteração somente poderia ser legitimamente introduzida pela vontade de um poder constituinte originário, convocado em uma Assembleia Nacional Constituinte.

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