Por Susana Folena

A Constituição Federal prevê, como direitos e garantias individuais e coletivas, que “são invioláveis a intimidade e a vida privada, a honra e a imagem das pessoas” (artigo 5º, X); e que “é inviolável o sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas” (artigo 5º, XII).

Infelizmente, a cada dia, com a intensa utilização das redes sociais, tornou-se comum que pessoas retransmitam o conteúdo de mensagens direcionadas para elas ou em seus grupos, para outras pessoas ou grupos diversos, sem que o remetente tenha autorizado. Isto tem gerado graves constrangimentos, não somente pela quebra do sigilo da correspondência, mas também pela exposição de imagens que violam a intimidade e a vida privada das pessoas.

A jurisprudência brasileira tem se encaminhado no sentido da reprovação dos atos de indevida divulgação de mensagens e imagens, quando o compartilhamento não tenha sido autorizado pelo destinatário, confirmando a aplicação de indenizações. 

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou, no mês de agosto de 2021, o Recurso Especial nº 1903273-PR, no qual se analisou a divulgação pública de mensagens privadas, via WhatsApp, sem autorização judicial ou consentimento da(s) outra(s) parte(s) envolvida(s). A decisão foi proferida, à unanimidade, pela Terceira Turma do STJ, que entendeu ser plausível a indenização, caso configurado o dano.

No debate do caso, os ministros do STJ ressaltaram que com o desenvolvimento das tecnologias digitais de comunicação, o WhatsApp, rede social de comunicação instantânea que conecta pessoas em qualquer lugar do mundo, está no mesmo patamar que as tradicionais ligações telefônicas e é resguardado pelo sigilo das comunicações, que advêm da liberdade de expressão e visam resguardar o direito à intimidade e à privacidade. Assim, a divulgação das conversas via WhatsApp a terceiros só é permitida com o consentimento das partes ou autorização judicial.

Além disso, os ministros destacaram que, ao enviar mensagem pelo WhatsApp, o emissor não tem expectativa de que ela seja lida por terceiro(s) ou divulgada para pessoa(s) diversa(s). Segundo trecho da decisão dos ministros: “… ao levar a conhecimento público conversa privada, além da quebra da confidencialidade, estará configurada a violação à legítima expectativa, bem como à privacidade e à intimidade do emissor, sendo possível a responsabilização daquele que procedeu à divulgação se configurado o dano.”

Entretanto, ficou registrado também no mencionado julgamento que, caso a exposição da mensagem seja usada com o propósito de resguardar o receptor, objetivando defender direito próprio, poderá ser descaracterizada a ilicitude da exposição. Esta ponderação é importante, uma vez que somente em situações muito especiais podem ser utilizadas informações enviadas e transmitidas sem autorização do remetente, desde que seja para garantir o direito constitucional de defesa do destinatário, o que representaria uma espécie de justa causa, inclusive para não caracterizar o delito previsto no artigo 151 do Código Penal, que trata do crime de inviolabilidade de correspondência:

Artigo 151. Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada dirigida a outrem.

Pena: detenção, de um a seis meses, ou multa.

§ 1º. Na mesma pena incorre;

(…)

II. quem indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, ou conversação telefônica entre outras pessoas.”

Em outra hipótese de justa causa, inclusive para evitar a reponsabilidade civil e a condenação por danos morais, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por meio da sua 26ª Câmara Cível, com voto condutor do relator Des. Wilson do Nascimento Reis, rejeitou o pedido de indenização por danos morais, no processo de nº 0002003-90.2018.8.19.0001, por entender que “a ré divulgou mensagens pelo WhatsApp em caráter privado, a fim de pedir ajuda aos seus colegas de profissão, e não para expor a público a vida da autora.”

Segundo o mencionado relator: “(…) O compartilhamento privado via aplicativo do WhatsApp não ostenta viés público, pelo contrário, espera-se privacidade e sigilo, pois a comunicação se dá entre destinatários escolhidos pelo emissor da mensagem, tratando-se de troca de informação privada que não está acessível a qualquer pessoa.” … “Assim, não fere o direito à privacidade, por não se tratar de exposição a público e por não ter o intuito de prejudicar a autora”.

Veja que, neste caso, a 26ª Câmara do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entendeu que, além do compartilhamento da informação ter sido empregado entre colegas com a finalidade de saber como proceder em relação à remetente das mensagens, seu conteúdo não foi exposto em rede pública nem usado de modo a prejudicar a imagem de quem as proferiu.

Portanto, a regra da limitação da intimidade e sigilo deve ser aplicada com ponderação e razoabilidade e sempre tendo em vista as circunstâncias do caso.

Por exemplo, na apreciação do recurso nº 1014997-28.2019.8.26.0576, o Desembargador Pedro de Alcântara da Silva Leme Filho, do Tribunal de Justiça de São Paulo (8ª Vara Cível) negou provimento ao pedido de reforma da sentença, que condenou o réu pela divulgação de informações e fotos íntimas da autora para seus amigos e familiares, violando sua reputação, honra e intimidade e ferindo, assim, o artigo 5º da Constituição.

De modo semelhante, a 3ª Turma Recursal Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (relator Juiz Giuliano Viero Giuliato), no julgamento de recurso inominado no processo nº 71009893546, negou provimento ao apelo por entender que: “Quanto ao dano sofrido, importa destacar que nosso direito positivo tutela de maneira incisiva o direito à imagem e à intimidade. Em primeiro lugar, a Constituição em seu art. 5º, inc. X, considera ‘inviolável’ o direito à imagem e à intimidade. Trata-se da chamada tutela forte e não condicionada(…).”

Em resumo, entendemos que não é correto o compartilhamento de mensagens, dados e imagens sem autorização do remetente, sob pena de violação das regras constitucionais de preservação da intimidade e privacidade, bem como do sigilo de correspondência.

Contudo, alertamos para as hipóteses em que a divulgação se justifica como forma de preservação do direito de defesa ou mesmo por outras necessidades pessoais ou profissionais, de modo a descaracterizar o dano material ou moral, que poderão ser afastados.

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